Texto "Criando e escrevendo dança estimulado pela arquitetura de Zaha Hadid"

Compartilhando minhas reflexões no meio do processo da minha pesquisa sobre criação em dança estimulada pela arquitetura de Zaha Hadid. Espero que curtam e ficarei feliz com comentários. Este artigo foi publicado nos Anais do IX Congresso da ABRACE (Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2016).

Criando e escrevendo dança estimulado pela arquitetura de Zaha Hadid

Cláudio Marcelo Carneiro Leão Lacerda

RESUMO

A pesquisa trata da criação em dança contemporânea inspirada pela obra da arquiteta Zaha Hadid. Seguindo a abordagem da Prática como Pesquisa, o processo artístico – o corpo dançante no espaço – agencia a pesquisa, transversalizando Estudos Coreológicos, estudos da dança, arquitetura, artes visuais e performance, revelando seu aspecto processual e valorizando o campo da dança como articulador de relações interartísticas e interdisciplinares.

Palavras-chave: dança: arquitetura: coreografia: prática como pesquisa

ABSTRACT

The research deals with contemporary dance making inspired by the oeuvre of architect Zaha Hadid. Following the Practice as Research approach, the artistic process – the dancing body in space – agencies the research, transversalising Choreological Studies, dance studies, architecture, visual arts, and performance, revealing its processual aspect and valuing the dance field as articulator of interartistic and interdisciplinary relationships.

Keywords: dance: architecture: choreography: practice as research

Introdução

No presente artigo, falo a partir de um lugar em movimento, o meio do processo de pesquisa de doutorado. Este lugar, por um lado, indica que afetos, estímulos e influências já deram ignição ao trabalho, tendo sido escolhidos e fruídos autores, obras visuais e coreográficas e imagens da obra de Zaha Hadid e tendo sido idealizadas e desenvolvidas um número significativo de propostas criativas de dança. E também passado pela primeira Qualificação. Por outro lado, com o material até agora estudado, vivenciado e desenvolvido, posta-se a questão do que fazer com esse material, que direção tomar para a escritura final da tese. É fato que a abertura de possibilidades de direções e de desdobramentos sempre vai pairar em todo processo artístico e de pesquisa, o que abre múltiplas possibilidades de futuro. Mas, um fechamento também faz-se não só necessário, mas também, principalmente neste contexto, cobrado, para finalizar este ciclo de doutoramento. Como tomar as decisões certas?

A partir deste lugar em movimento, neste artigo pretendo tratar de quatro pontos que me trouxeram até o presente momento da pesquisa, que têm me instigado a criar e escrever dança estimulado pela arquitetura de Zaha Hadid. Inicialmente, relatarei como os afetos constituíram a necessidade de realizar a pesquisa. Em seguida, tratarei do duplo agenciamento em ação: a transversalidade entre áreas de conhecimento e o campo da dança como articulador e organizador do processamento e da produção de conhecimento. Posteriormente, tratarei brevemente de como o material criativo de dança tem se desdobrado e revelado possibilidades a partir das propostas iniciais. Por fim, falarei sobre a intercomunicação entre os sentidos no agenciamento dos afetos, com o engajamento visual, textual, tátil-visual e cinestésico.

Constituição de afetos

A pesquisa, atualmente intitulada O Lugar da Arte do Movimento: a criação em dança contemporânea a partir de uma leitura coreológica da arquitetura de Zaha Hadid, se propõe a construir uma coreo-tese, através da realização de um processo artístico-teórico de criação de uma obra de dança contemporânea, tendo como ponto de partida e inspiração a obra arquitetônica e visões sobre corpo, arquitetura, vida e arte de Zaha Hadid (1950-2016), arquiteta iraquiana radicada em Londres. Seguindo as abordagens metodológicas da Prática como Pesquisa (Practice as Research) e da Pesquisa guiada pela Prática (Practice-led Research), pretendo que o processo artístico em dança – o corpo dançante no espaço –  a guie e agencie, colocando em relação transversal os Estudos Coreológicos (Rudolf Laban e autores relacionados), os estudos da dança, a arquitetura, as artes visuais e a performance. O intuito é de que o processo artístico compreenda e encadeie reflexões sobre possíveis relações criativas entre dança e arquitetura, sobre minha produção e prática artístico-teórica em dança nos últimos 15 anos e considerações sobre minhas principais influências em dança. A pesquisa ocupa-se em revelar o aspecto processual da criação artística em dança e como esse processo pode ser atravessado por inúmeros estímulos corporais, visuais e teóricos e em valorizar o campo da dança como articulador de relações interartísticas e interdisciplinares, fazendo avançar questionamentos. 

Não é pouca coisa! Para não me perder em meio ao mar de possibilidades, de autores, de referências que se abrem, tento realizar o que me propus permanecendo fiel aos afetos que constituíram a necessidade de sua realização. Seguindo um histórico de me deixar influenciar por obras e artistas de outros meios, como cinema, literatura, artes plásticas/visuais, música e filosofia, a partir de 2008 tenho olhado com bastante interesse o trabalho de vários arquitetos que geralmente são agrupados sob o guarda chuva chamado arquitetura desconstrutivista. Encantaram-me tanto a imagem de algumas de suas obras arquitetônicas construídas e desenhadas quanto suas visões e escritos acerca de seu meio e sobre processo criativo, o caminho que uma obra faz a partir da ideia e da motivação do arquiteto até sua materialização e a utilização/fruição pelos usuários e cidadãos. Minha relação frente a estes estímulos, assim como os de outros meios, é ver e ler como dança o que, em arquitetura, está construído (ou em construção) e escrito. Por  quatro anos desenvolvi uma série de pesquisas e criações artísticas, investigando arquitetos e obras, que se agruparam na Trilogia da Arquitetura Desconstrutivista, composta pela obra coreográfica Deserto Aresta (2008), pelo projeto de pesquisa e estudo coreográfico homônimo Des-com-po-si-ção (2009), pela obra coreográfica Espaçamento (2011) e pelo livro Pesquisa Trilogia da Arquitetura Desconstrutivista (2011). De 2011 a 2015 apresentei Espaçamento com meu grupo (Cláudio Lacerda/Dança Amorfa) extensivamente, em Recife e outras cidades brasileiras.

Ao longo da Trilogia, descobri várias conexões entre dança, arquitetura e artes visuais. Além da importante conexão entre dança e arquitetura presente na formação e trabalho de Laban, comecei a conhecer reflexões de autores e praticantes da arquitetura, como Robert Venturi, p. ex., e pude traçar mais conexões. O interesse em Hadid existe desde meu contato inicial com a arquitetura desconstrutivista, podendo, neste doutorado, explorá-lo em uma maior magnitude. Tenho fascínio por suas proposições e soluções arquitetônicas e um interesse crescente por suas ideias concernindo arquitetura, arte e vida. Tenho visto imagens de obras arquitetônicas produzidas por ela e seus arquitetos associados, em catálogos e na Internet (especialmente em seu website oficial, www.zaha-hadid.com), desenhos de projetos, escritos e falas de outros autores sobre ela e escritos e falas da própria Hadid, em textos, entrevistas filmadas e transcritas e documentários. Mais recentemente, tenho podido fruir presencialmente algumas de suas obras arquitetônicas e de design para móveis, especificamente na cidade de Londres, possibilidade aberta pelo Doutorado Sandwich em desenvolvimento na Coventry University (RU). Todos esses estímulos têm sido percebidos por mim como dança e como potencialidades para dança.

Um pressuposto fundante na relação que estabeleço entre as obras arquitetônicas e meu corpo dançante, desde o início de minha fascinação pela arquitetura e seu diálogo com minha dança, é perguntar “que forças atuantes em determinada obra reverberam em meu corpo, estimulando-o a trabalhar criativamente?”. Não é que eu faça essa pergunta apenas objetiva e racionalmente, separada de toda uma globalidade corpo-mente que envolve intuição, racionalidade, objetividade e devaneio. Ela se faz no próprio corpo. O início de toda essa curiosidade e interesse em explorar a arquitetura nasceu no próprio corpo respondendo a esses estímulos. Utilizo o termo forças, seguindo o sentido que lhe é dado por Gilles Deleuze (2007) e também por Jacques Derrida (2008). Trazendo-o mais para perto do âmbito da dança, tem a ver com dinâmica. Seguir o preceito deleuziano (2007) de valorizar as forças, não em detrimento da forma, mas, antes dela, me abre possibilidades sensíveis e criativas e não me deixa numa armadilha de reproduzir formas, o que cairia possivelmente num lugar de tradução, que não é o objetivo do trabalho.

Isto posto, em minha relação específica com Hadid, percebi uma afinidade do conjunto de seu trabalho com meu impulso para a criação artística e pesquisa artístico-teórica. Os tópicos presentes na primeira entrevista sua que li1 me serviram de estimuladores para desenvolver o doutorado. Utilizo-os para relacioná-los aos meus interesses e preocupações, construindo uma relação paralela entre mim e Hadid ao longo do trabalho. 1) Quando Hadid relata suas referências artísticas, principalmente dos artistas vanguardistas russos Kazimir Malevich e Wassily Kandinsky, em seu processo formativo, reflito sobre como minhas principais referências formativas em dança – os coreógrafos Airton Tenório, Pina Bausch, Siobhan Davies, Rosemary Butcher, Lloyd Newson/DV8 Physical Theatre, William Forsythe e Meg Stuart – têm alimentado e influenciado minhas pesquisas e produtos coreográficos. Reminiscências de obras minhas ao longo dos últimos 18 anos e suas respectivas relações com essas referências são ativadas ao longo do processo criativo de Contraespaço, realizado no contexto deste doutorado e explicada adiante. 2) Quando Hadid reflete sobre o material do seu medium, me faz refletir sobre o material para o medium da dança, como este pode ser gerado, burilado, transformado. 3) A experimentação como motivação para a criação de Hadid gera uma ressonância direta sobre a missão de experimentação a que me propus no início de minhas atividades como coreógrafo, a qual tenho procurado dar continuidade. 4) Conjecturas que Hadid faz sobre a palavra espaço e sobre o espaço me fazem pensar sobre a relação do espaço na dança e na arquitetura. 5) A descrição de seus minuciosos processos de criação são alimento para que eu olhe para trás, reflita sobre meus processos anteriores e sobre como o atual tem lidado com potencialidades e suas atualizações. 6) Comentários de Hadid sobre a influência ou não de Jacques Derrida no desenvolvimento da arquitetura desconstrutivista me obrigaram a re-escolher um outro autor para dialogar no presente trabalho. Houvera utilizado conceitos de Derrida na Trilogia da Arquitetura Desconstrutivista, para relacionar com a obra do arquiteto Frank Gehry – estimulador principal da feitura de Espaçamento – e para alimentar minha própria pesquisa de movimento, e também na pesquisa Dança e Desconstrução (2010-2013), realizada na UFPE, para dialogar com as obras de Forsythe, Bausch e Stuart. A honestidade e clareza de Hadid, apontando para, simultaneamente, a não supervalorização de Derrida na arquitetura desconstrutivista e para a não superficialização de sua leitura me fizeram escolher Gaston Bachelard para lidar melhor com a questão da experiência e da imaginação (corporal, espacial e de movimento). 7) Hadid fala bastante sobre a valorização do próprio medium, como uma maneira tanto de expandir o próprio entendimento do que pode ser arquitetura quanto de assumir o medium da arquitetura como articulador de pensamento, inclusive trazendo influência de outros meios, como arte e filosofia. Este é exatamente o movimento que tento desenvolver com a dança, de reivindicar para este campo sua autonomia de gerar e articular pensamento e conhecimento, ao mesmo tempo sendo permeável para o diálogo com outros meios e campos de conhecimento.

Esses pontos me orientam ao longo do processo, principalmente nas encruzilhadas e momentos de dúvida.   

Duplo agenciamento em ação na pesquisa

Ao longo de meu histórico de trabalho na dança, como bailarino, coreógrafo, professor, pesquisador e escritor, venho desenvolvendo dois “sentimentos”, ou duas preocupações, que foram se fortalecendo e se tornando claros e que se tornaram componentes para serem abordados neste doutorado. Um deles é o desenvolvimento de uma relação de transversalidade entre disciplinas e áreas do conhecimento. O corpo é multi- e interdisciplinar por natureza. Seus fluxos atravessam o corpo individual, as relações interpessoais e a relação com o ambiente em sua volta, próximo e distante. E também atravessam vários dos campos de conhecimento compartimentalizados (biologia, artes, psicologia, medicina,  educação física, sociologia, antropologia, etc.). Falando particular e pessoalmente,  “passear” por entre estímulos diversos em áreas de conhecimento diferentes e me deixar alimentar por eles tem sido uma prática frequente em meus trabalhos. Falando em um escopo ampliado e abrangente, considero um procedimento saudável para cada área em si para “estar melhor” e “se ver melhor” no mundo, tentar compreendê-lo melhor, tentar relacionar-se com ele de uma forma melhor. Neste doutorado, é dessa forma que encaro as relações que têm se tecido entre dança, arquitetura, artes plásticas/visuais e filosofia. Com o conceito de “mediadores”, Deleuze (1992, p. 285) esclarece essa relação de transversalidade, em que “relações de ressonância e troca mútua” podem acontecer e que possibilidades de ser afetado podem surgir a partir de qualquer elemento que seja, artista, cientista ou filósofo, seres animados ou inanimados, reais ou imaginários (ibid.). E, assim, vão se formando “séries” que, sem as quais, Deleuze diz que você está perdido.

Por outro lado, tenho a necessidade de fortalecer e ampliar o campo da dança. Isto compreende ter a capacidade de ampliar o que pode ser entendido como dança e reconhecer e fortalecer seu conhecimento intrínseco, tanto no campo teórico, de articulação, que a dança tem desenvolvido, assim como o valor do conhecimento que é produzido e articulado pelo corpo dançante e recebido pelo corpo sensciente, considerando as propriedades multissensorial e de multicamadas da dança. Laurence Louppe (2012), Maxine Sheets-Johnstone (2009; 2015), Sally Banes (1994), Ciane Fernandes (2013) e Jane Desmond (2013) são algumas das autoras contemporâneas que chamam a atenção e advogam para isso. Entretanto, antes delas, localizo Laban (1978; 2011) como um dos pioneiros em reivindicar esse lugar da dança. Ou, mesmo, pode-se retraçar essa preocupação em Jean-Georges Noverre (MONTEIRO, 1998). Portanto, podemos ver o esforço dessas pessoas, em seus espaços-tempos diversos, em fortalecer esse lugar.

Esses “sentimentos”, ou preocupações, parecem ser polos opostos. Por isso, chamo de um duplo agenciamento o que pretendo que aconteça entre essas duas instâncias. Ou seja, estar suficientemente permeável para “sorver” o mundo, inclusive estando disposto a des-hierarquizar estruturas de poder conferidas a campos de conhecimento e a formas de fruí-los (teoria, texto científico, texto literário, obras de artes plásticas/visuais, obras coreográficas, literatura oral, etc.), de modo que relações de transversalidade tenham a possibilidade de acontecer. E, simultaneamente, poder ter a dança como campo organizador de processamento e produção de conhecimento, utilizando e valorizando o seu conhecimento intrínseco e sua forma multissensorial de fruição – que inclui o cinestésico, o visual, o aural – e multicamadas – que inclui o real e o imaginado/imaginário.

Dos vários elementos de input que têm composto minha pesquisa, incluo: imagens de obras arquitetônicas e de design de Zaha Hadid e outros arquitetos, obras de artes plásticas/visuais, obras coreográficas, escritos e falas de Hadid, dos coreógrafos mencionados anteriormente e de artistas plásticos/visuais acerca de seus processos, escritos de outros autores sobre as obras desses artistas, teóricos das áreas de dança, filosofia, arquitetura e artes. Um ponto importante a se levar em conta é que esses estímulos todos me afetam porque eu os leio como dança. Leio arquitetura, filosofia e artes plásticas/visuais como potencial para dança. Essa é uma corda importante que, se não for tocada, não gera afetos, não gera interesse, não gera pesquisa, não tem doutorado, nem gera textos como o presente artigo.

Os meios de escoamento desse processamento também fluem em canais múltiplos. Eles são produzidos em dança, são produzidos em escrita, em fala, em imagens. E não se pode pensar nessas produções como separadas da prática que as originou, uma prática de pensar-dançar-escrever-intuir.

Desdobramento do material criativo de dança

Os estímulos para as experimentações criativas do processo artístico que intitulei Contraespaço, realizado por um grupo composto por mim mais quatro bailarinos – Jefferson Figueirêdo, Juliana Siqueira, Orunmillá Santana e Stefany Ribeiro –, de janeiro de 2015 a março de 2016, advieram de canais diversos, já descritos anteriormente. Os estímulos visuais reverberaram cinestesicamente, sugerindo dinâmicas de movimentação e ocupações de espaço, materiais para trabalhar (p.ex., tecido) e tópicos para exploração, como, p. ex., “modelar o corpo do outro com dobras, entrâncias; o corpo como massa receptiva e transformável”. 

Os estímulos textuais sobre arquitetura – escritos da própria Hadid e de outros arquitetos e teóricos acerca de sua obra, construídos a partir do olhar particular e diferenciado de cada autor sobre suaa obra, engatilharam sugestões para explorações corporais, como, p. ex., “girar ou curvar a extensão vertical em uma extensão horizontal”, frase de um texto de Patrick Schumacher (2008, p. 41), arquiteto sócio de Hadid e teórico de arquitetura. 

Também textos de autores das áreas da filosofia e dos estudos da dança compõem esse rol, como Bachelard (1990; 2001; 2008), sobre a “imaginação", “imaginação espacial” e “imaginação corporal e de movimento” e sobre a questão de habitar um espaço, e Sheets-Johnstone (2009), sobre a “sensibilidade de superfície", o “conhecimento cinestésico”, a “inteligência das formas animadas” e o “corpo em primeira pessoa”. Ambos os autores seguem uma abordagem fenomenológica, valorizando a experiência e o conhecimento advindo da mesma, de valor vital para informar a presente pesquisa. Laban (2011) também valoriza esse saber e seus escritos sobre a “perspectiva corporal” [“bodily perspective”] contribuíram para dar esse estofo ao trabalho. Esses textos afetaram a mim e aos bailarinos participantes pelas suas ideias, mas, também, trechos literais foram utilizados para exploração de movimento, dada a empatia cinestésica direta por eles causada, p. ex., o exercício “explorar a movimentação que nasce de seu impulso, um impulso em espiral, a movimentação que nasce de um corpo comprimido e sua vontade de expansão” surgiu com o seguinte trecho da leitura de Poética do Espaço de Bachelard: “De fato, a vida começa menos lançando-se para a frente do que girando sobre si mesma” (BACHELARD, 2008, p. 118). 

Todos esses estímulos geraram 22 “propostas para exploração e improvisação” e cinco “princípios para o trabalho”. Não transcrevo aqui as 22 propostas devido ao espaço limitado, mas cito alguns exemplos, além do anteriormente citado: “modelar o corpo do outro com dobras, entrâncias; o corpo como massa receptiva e transformável”; “quebra do plano: em cada plano espacial (vertical, sagital, horizontal), primeiro dominar a sensação do corpo em cada plano e começar a distorcê-lo”; “explorar as ações alongar, cortar, curvar e fatiar”, além das experimentações feitas diretamente a partir das imagens de prédios, objetos de design e instalações de Hadid. Já os “princípios” surgiram de trechos que não constituíram sugestões para exploração, mas sugeriram filosofias e atmosferas, princípios norteadores, para compor o trabalho. São: “uma multiformidade que absorve os contrastes e os transformam”; “uma circularidade em espiral que abarca e transforma os opostos”; “organicidade na geração e estruturação de material”; “privilegiar a curvilinearidade e permitir a fusão de trajetórias múltiplas em uma textura coerente”; “exploração do espaço como um vagabundo e nômade”.

O primeiro trabalho que fiz com os bailarinos foi conquistar sua admiração pelo trabalho de Hadid. O ato de apresentar-lhes sua obra teria que ser cuidadoso no sentido de que eu gostaria de lhes proporcionar reações corporais que se aproximassem das reações que eu tive perante as obras de Hadid. Promover essa admiração seria o impulso inicial para começar trabalho. Segundo Bachelard, “a admiração é a forma primária e ardente do conhecimento, é um conhecimento que enaltece o seu objeto, que o valoriza. Um valor, no primeiro encontro, não se avalia: admira-se.” (BACHELARD, 1990, p. 36). Aliado a isto, procurei ser claro no objetivo de trabalhar com as forças presentes nas imagens e não com tradução de formas arquitetônicas para o corpo e enfatizar que o input pessoal de cada um seria valorizado dentro do trabalho. 

Tivemos 91 encontros. Experimentamos todas as propostas para experimentação e exploração, todas documentadas em vídeo, para posterior apreciação e análise, e também por escrito, na forma de diário de bordo. Após a execução das 22 propostas, nos deparamos com um imenso material de movimento. O que fazer com tudo aquilo? Veio a ideia de aglutinar materiais advindos de três ou quatro propostas em módulos, os quais seriam autônomos, podendo-se “brincar” com o ordenamento dos mesmos para compor a estrutura de uma apresentação pública, o que tornaria flexível e mais aberta a construção de significações. Para chegar a cada módulo, testamos a ligação de vários materiais advindos de cada proposta de exploração entre si, escolhendo a maneira mais orgânica de as transições e ligações acontecerem. De uma certa forma, deixamos que o material se aglutinasse, que se encontrasse. Isso significa abdicar de uma atitude de controle e estar atento às forças em ação no material construído.

Até o momento, temos construídos 9 módulos. À medida que os fomos criando, surgiu a questão de como os estruturaríamos para apresentações públicas. Surgiram duas propostas de produtos cênicos. Uma delas seria a construção de um trabalho para palco tradicional (leia-se relação frontal com a plateia em um teatro ou espaço similar), podendo-se alternar o ordenamento dos módulos a cada apresentação. Isto proporcionaria um desafio e um frescor para os bailarinos a cada nova apresentação, estendendo a proposta de experimentação presente no processo para o produto (faceta também explorada na obra Espaçamento (2011), sobre a qual escrevi em outros textos). Para os espectadores, seria uma experiência interessante poder ver o espetáculo em outra noite, com um ordenamento diferente, e, para nós, saber de suas impressões e de sua experiência.

A outra proposta seria a apresentação dos módulos em espaços que não fossem a caixa cênica, p. ex., museus, galerias e outros prédios, cujos diferentes ambientes pudessem ser “habitados” por esses módulos, levando o público a uma itinerância pelo espaço em questão. Cada módulo viria com seu material de movimento já criado e estruturado (que contém partes coreografadas e improvisadas), porém com sentidos abertos para uma “responsividade” (GARRETT BROWN,  2013) para com o ambiente a se habitar, considerando seus aspectos espaciais e também a atmosfera, o mood sugerido pelo espaço. Isso não significa que modificaríamos radicalmente o material de movimento de cada módulo, mas seria uma sintonia fina de “escutar” o espaço escolhido e nos permitirmos fazer alguns ajustes, adaptações, como se estivéssemos conversando com o espaço. É diferente de uma obra site-specific, na qual o espaço determina em grande parte o que será explorado, criado e apresentado. Exercendo uma responsividade ao espaço, trazemos a bagagem de um material coreográfico já formado, que, por sua vez, já foi inspirado em outra arquitetura, assim enriquecendo as camadas do trabalho. Fizemos muito essas explorações nos espaços de Centro de Artes e Comunicação da UFPE.

Fizemos duas apresentações públicas em forma de ensaio aberto, como uma palestra-demonstração. Seguimos um roteiro no qual, alternadamente, dançamos,  falamos sobre o trabalho e mostramos imagens de arquitetura e, ao final, conversamos com o público presente. Na primeira apresentação (Teatro Marco Camarotti, 06/11/15, Recife, dentro da programação do Festival Cena Cumplicidades) vivenciamos a proposta de um espaço de teatro, apesar de, no início, também explorarmos o espaço do foyer. Na segunda apresentação (Orbe Coworking, 19/03/16, Recife), exploramos mais a responsividade a um espaço não teatral, neste caso um andar inteiro, vazado, de um prédio, como um grande loft, com janelas para três lados do andar, no qual os espectadores ficaram no centro e nós dançamos explorando cada canto do espaço. Seguimos o mesmo roteiro da apresentação anterior e o formato de palestra-demonstração. Os módulos não foram todos mostrados nas duas apresentações, para não alongar muito a duração da apresentação e inviabilizar o tempo para conversa com os espectadores. Outra razão também foi “guardar” um pouco do material, não o apresentar todo de uma vez. Dessa forma, na segunda apresentação, dançamos alguns módulos que não tinham sido dançados na primeira. Também documentamos as apresentações em vídeo, inclusive com as falas dos espectadores que se pronunciaram.

O trabalho segue com essas duas potencialidades de produções de espetáculo para um futuro que esperamos que seja próximo. Às mesmas, acrescentaríamos colaborações de trilha(s) sonora(s), cenário, figurino, vídeos e respectivas projeções.

Intercomunicação entre os sentidos

Ao longo desta pesquisa, desde a constituição dos afetos que deram ignição à mesma e mantêm o combustível para seu desenvolvimento, passando pelo desenvolvimento do material criativo de dança e a relação entre diferentes mediums (texto, fotografia, imagens em movimento, execução de dança, apreciação de dança) e diferentes autores de diferentes áreas, tendo ainda o intuito de valorizar o campo da dança como articulador dessas relações tranversais, tem sido muito importante considerar a intercomunicação entre os sentidos, a fim de abraçar os vários estímulos, nas instâncias visual, textual, tátil-visual e cinestésica.

A imagem tem tido um papel muito forte em todo este processo. Desde o início da Trilogia da Arquitetura Desconstrutivista, as imagens já haviam me afetado, legítima e verdadeiramente, a ponto de me estimular a desenvolver criações coreográficas. Fiquei especialmente atento à reação dos(as) colegas bailarinos(as), no presente processo, às imagens dos prédios. Em vários momentos, foi de maravilhamento, de admiração, de instigação com relação às obras. Pude, então, verificar que suas reações foram as mesmas que as minhas. O maravilhamento, a admiração e a instigação perante as imagens reverberaram diretamente no corpo. É uma relação fenomenológica, ou seja, corporificada sem ser mediada pelas significações produzidas pela linguagem falada (SHEETS-JOHNSTONE, 2009). Logicamente, através dos textos também estivemos expostos à mediação linguística, afinal estamos lidando com as instâncias fenomenológica e semiótica todo o tempo; é o “corpo paradoxal” do qual José Gil (2002) fala. Porém, o que mais fascinou o grupo, quando o estímulo era linguístico, foram as imagens que certas passagens suscitavam e também as “ressonâncias” de textos de arquitetura ou de filosofia com a dança. Ao ser questionado se as imagens substituiriam o contato físico-visual com as obras arquitetônicas em questão, digo que não substituem, mas constituem, por si só, uma fonte primária legítima. Se eu tivesse tido o contato visual e físico com as obras em seus sítios antes do início dos trabalhos, a ordem dos estímulos poderia ter sido diversa (ou não), poderia ter me estimulado de uma maneira diversa (ou não) ou, até mesmo, não ter me estimulado de nenhuma maneira. Seria um outro medium, absolutamente legítimo, assim como considero o medium das imagens de arquitetura, tanto em still como em movimento, também absolutamente legítimo. 

Além disso, minha proposta é de trabalhar com a imaginação espacial, a imaginação de movimento e a imaginação corporal, como mencionado anteriormente, no nível mesmo do devaneio (trazendo essa palavra tão cara a Bachelard) e das transformações (trazendo esta palavra tão cara a Laban). Meu trabalho não é o trabalho de um etnógrafo, fazendo uma pesquisa objetiva sobre uma obra arquitetônica, procurando ser fiel à sua realidade, nem tentando reproduzi-la e, muito menos, traduzi-la. Eu e o grupo estamos nos meandros da criação artística, pensando em termos de transformação. Sigo o pensamento de Bachelard: “O espaço percebido pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.” (BACHELARD, 2008, p. 19).

A historiadora de arquitetura Beatriz Colomina (1994, p. 15) sustenta que o próprio desenvolvimento dos meios de comunicação de massa formaram os sujeitos modernos e a arquitetura moderna. A fotografia passou a ser também um meio de se olhar arquitetura, não só o presencial. A autora chama especial atenção para o ponto de vista da câmera e a concepção de mundo que a acompanha. Por exemplo, a definição tradicional de fotografia é a de reprodução da realidade; está ligada ao sistema de representação clássica. Colomina sustenta que na fotografia não há representação, mas, sim, uma produção de uma nova realidade. A autora também aponta que a difusão da fotografia coincide com o desenvolvimento da psicanálise. Tanto a fotografia quanto o inconsciente pressupõem um novo modelo espacial, cujo interior e exterior não são tão claramente divididos. Isto reverberaria em uma arquitetura diferente.

Por sua vez, o psiquiatra infantil Daniel Stern fala sobre equivalências ou correspondências intramodais, que têm relação com a unidade dos sentidos, ou seja, o conhecimento ou experiência do  mundo que é visto é o mesmo mundo que é ouvido ou sentido (STERN, 1985, p. 154). Isto significa que as qualidades de percepção, como intensidade, forma [shape], tempo, movimento [motion] e número, podem ser abstraídas por qualquer modo sensorial a partir das propriedades invariantes do mundo do estímulo e, então, traduzidas para outras modalidades de percepção. Este fenômeno seria chamado de fluência intermodal. Aqui, Stern está falando sobre o desenvolvimento dos bebês, mas também do desenvolvimento de uma faculdade essencial, que permanece subliminar quando adultos, para a transposição de informação amodal. Stern diz que os artistas, especialmente os poetas, contam com a unidade dos sentidos como certa [take it for granted]. A maior parte da poesia não poderia funcionar sem essas analogias e metáforas sensoriais cruzadas [cross-sensory] (ibid., p. 155), em que, por exemplo, odores são remetidos a sensações táteis, cores são remetidas a cinestesia, etc. Stern diz que a dança é o exemplo máximo, de fato, o protótipo das tentativas artísticas de expressão em um medium de qualidades sentidas em outro. No meu caso, a fluência intermodal partiu de estímulos visuais que imediatamente afetaram o corpo, tanto tátil quanto cinestesicamente, fazendo o corpo imaginar e reagir a texturas, formas e ritmos espaciais. Estímulos visuais que, a meu ver, são uma poesia da arquitetura, que é como eu sinto e percebo a produção arquitetônica de Hadid.

Laban, em Choreutics, expande as propriedades do sentido do tato, como interface principal do corpo com o espaço, para os outros sentidos. Ele diz: “Todas as mudanças no espaço que vemos, ouvimos, cheiramos ou saboreamos são literalmente impressões táteis. Todos os nossos sentidos são variações de nosso singular sentido do tato.” (LABAN, 2011, p. 29). O artista plástico/visual Wassily Kandinsky tinha uma grande capacidade sinestésica de ligação entre os sentidos. Segundo Becks-Malorny, “ele [Kandinsky] não percebia cores somente em termos de objeto, mas os associava com sons que variavam em intensidades do alto ao baixo e do agudo ao mudo” (BECKS-MALORNY, 1994, p. 7). Encontro uma ressonância entre Laban, Kandinsky e a fluência intermodal de Stern na minha relação com as obras de Hadid. O olho que toca atiça a imaginação cinestésica. Ainda mais quando o que está a me inspirar é a arquitetura de sonho, assim como poesia de arquitetura, expressões ditas por Laban (2011) que considero que seja a obra de Hadid, atiçando minha imaginação corporal e de movimento em movimentos de sonho.

Considerando Hadid uma poeta da arquitetura, associo-a a Bachelard, quando este fala de poesia: “Mas sempre o verso tem um movimento, a imagem se escoa na linha do verso, arrasta a imaginação como se esta criasse uma fibra nervosa.” (BACHELARD, 2008, p. 12). Falando a partir da poesia, Bachelard traz vários dos elementos envolvidos na minha relação de dança com Hadid: movimento, imagem, escoar, imaginação, fibra nervosa. Ou seja, tem os elementos necessários para ser também poesia do corpo. Bachelard fala da “imagem poética” (ibid.) como proporcionadora de uma das experiências mais simples de linguagem vivida. Transponho a imagem poética para o âmbito da arquitetura e, assim, procuro ilustrar a relação de como a arquitetura de Hadid me afeta. Não há regras de como o poder da imagem pode se enraizar no sensível. Bachelard dá um grande valor à imaginação, considerando-a “como uma potência maior da natureza humana” (ibid., p. 18); é uma imaginação produtora, com uma dupla função de real e de irreal, ambos necessários para nosso psiquismo produtor.

Sheets-Johnstone (2009) faz uma reivindicação ainda mais profunda e anterior à dança; ela exige que as ciências reconheçam algo que ela identifica como velado, ou seja, o conhecimento corporal, cinético e cinestésico, que faz o reconhecimento do mundo em volta, que é anterior à linguagem (não é por ela mediado), que é integrador de polaridades. Segundo a autora, esse velamento produz várias abordagens fragmentadas e incompletas de corpos: o corpo biológico, o corpo mecânico, o corpo linguístico, enfim, abordagens que consideram o corpo em terceira pessoa. São abordagens ditadas pela separação cartesiana de mente e corpo, pensar e fazer, eu e o corpo. Valorizar a sabedoria corporal cinética, o pensar em movimento e a experiência como fundante do conhecimento significa valorizar todas as inteligências de todas as formas animadas de vida, desde o corpo humano adulto, passando pelos humanos crianças e bebês, até os seres vivos não humanos. “Pensar em movimento não envolve contrários simbólicos, mas está amarrado a uma contínua dinâmica experienciada qualitativamente, na qual possibilidades de movimento surgem e dissolvem-se.” (ibid., p. 5).

Com Bachelard, Colomina, Laban, Stern e Sheets-Johnstone encontrei ecos favoráveis para, ao mesmo tempo, me estimular e alimentar e “justificar” academicamente minha relação de trabalho com a imagem de arquitetura e a dança.

Em tempo, apenas recentemente tive a oportunidade de entrar em contato com prédios e objetos projetados por Hadid. Isto significa que tive que sair do Brasil para conseguir esse feito. Em maio de 2016, em viagem de férias a Milão (ITA) vi o prédio em construção CityLife, com sua forma espiralada, e uma luminária em uma loja de design no bairro de Brera. Entre outubro a dezembro de 2016, em Doutorado Sandwich na Coventry University (RU), tive oportunidade de ir, em Londres, aos prédios: London Aquatics Centre, o parque aquático especialmente projetado para as Olimpíadas de Londres em 2012; o Magazine Restaurant, adjacente à Serpentine Sackler Gallery; a Roca London Gallery; a escola Evelyn Grace Academy. Além disso, vi vários objetos de design, móveis e maquetes na Zaha Hadid Design Gallery, além de peças suas expostas em outras galerias de arte. Também vi, na Maison Mais Non Gallery, objetos de arte e moda projetados por designers que foram inspirados pela obra de Hadid.

Minha relação com essas obras foram as mais variadas possíveis. Em algumas pude tocá-las e usá-las (sentar, encostar, fruir de suas funcionalidades, como ir ao banheiro, p. ex.), fotografar e filmar. Mas, devido à função utilizada para cada construção e seus regulamentos e regras de uso, que não mais pertencem ao design de Hadid e seus associados, mas ditadas por quem detém o uso atual desses prédios, não pude explorar criativamente com o corpo esses lugares. Porém, minha resposta a isso foi “devanear” visual e cinestesicamente nesses lugares. De posse de minha filmadora, fui construindo meu olhar subjetivo por esses espaços, habitando-os. Esse material, além de mais uma documentação de minha prática que vai alimentar esta pesquisa de doutorado, será material para compor os produtos cênicos que potencialmente estão aí, esperando para nascer.

Mas, e agora? Eu tenho essa experiência, mas os bailarinos, não. Em resposta a isso, partilho da observação que Sanjoy Roy (1999, p. 72) faz com relação à coreógrafa britânica Siobhan Davies – não por acaso, uma das minhas referências, anteriormente citadas –, cujo ano sabático nos EUA em 1987 foi reformador para sua carreira. As imagens de grandes planícies foram inspiradoras para a feitura de sua obra White Man Sleeps (1988). Seus dançarinos não necessariamente vivenciaram essas imagens para gerar movimento, mas foram usadas por Davies para clarificar as ações e editar e formar o material dos dançarinos. 

Conclusão

Ao longo deste artigo, falei a partir de um lugar em movimento, o meio do processo de pesquisa de doutorado. Tratei de quatro pontos que me trouxeram até o presente momento da pesquisa e que têm me instigado a criar e escrever dança estimulado pela arquitetura de Zaha Hadid. Relatei como os afetos constituíram a necessidade de realizar a pesquisa. Tratei do duplo agenciamento em ação na pesquisa: a transversalidade entre áreas de conhecimento e o campo da dança como articulador e organizador do processamento e da produção de novo conhecimento. Tratei sobre como o material criativo de dança tem se desdobrado e revelado possibilidades a partir das propostas iniciais de exploração e improvisação. Por fim, falei sobre a intercomunicação entre os sentidos no agenciamento dos afetos: visual, textual, tátil-visual e cinestésica. 

Afetos operam em espirais. Posso ser afetado por uma arquitetura; no momento em que trabalho com outros bailarinos, os afeto com minhas propostas; a resposta criativa deles me afetam de volta e me abrem outras possibilidades criativas. Os textos nos afetam, podem nos fazer dançar. Mas, olhar para esses mesmos textos após ter experimentado criativamente com o corpo acontece de forma diferente, o corpo está ali dialogando com eles. Nessas espirais, criar e escrever dança não mais estão separados, operam um alimentando o outro, que se transforma e se dá de volta, e assim por diante.

Notas

1. BOYARSKY, Alvin. “Interview: Alvin Boyarsky Talks with Zaha Hadid” In: CELANT, Germano; RAMÍREZ-MONTAGUT, Mónica (org.). Zaha Hadid. Catálogo de exposição do Guggenheim Museum, New York. New York: Guggenheim Museum Publications, 2008, pp. 45-52.

Referências

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